“Os livros são objetos transcendentes, nós podemos amá-los o amor táctil”, segundo Caetano Veloso. Amo livros, demais, de Guimarães Rosa a Dostoiévski, de João Ubaldo Ribeiro a Ken Follett. Atualmente estou mais nos livros acadêmicos do que literários, mas isso é só questão de tempo, logo volto às minhas viagens a cenários longínquos, ainda que da poltrona da sala. Perfumes me provocam essa mesma sensação: viagens sem sair do lugar, divagações e impressões. São formas de expressão e de arte.
Como adoro a associação entre perfumes e pessoas, seguem alguns perfumes e algumas personagens do mundo da literatura, que têm a mesma 'linguagem' e me trazem os mesmos sentimentos.
A Personagem: Diadorim (Grande Sertão Veredas – Guimarães Rosa)
O moço quieto e ressabiado, em cujos olhos "o verde mudava sempre, como a água de todos os rios em seus lugares ensombrados. Aquele verde, arenoso, mas tão moço, tinha muita velhice, muita velhice, querendo me contar coisas que a ideia da gente não dá para se entender". A paixão dúbia que desperta no companheiro Riobaldo, seus silêncios, reticências e ciúmes. Sentimento árido e espinhoso como o sertão: “Amor é a gente querendo achar o que é da gente”.
Eternizada por Bruna Lombardi, a personagem Diadorim. (Imagem: globo.com)
O Perfume: Duel, de Annick Goutal
O próprio nome “duelo” já diz tudo: um embate, entre masculino e feminino, entre mate verde e raízes secas. É áspero, de início, mas sob tantas camadas de couro existe uma delicadeza oculta, e quem a encontra fica maravilhado. Diadorim morre em um duelo, em uma luta corporal digna de sua valentia, é ali que Riobaldo descobriria que sempre teve por companhia, em verdade, Deodorina.
Imagem: www.annickgoutal.com
A Personagem: Capitu (Dom Casmurro – Machado de Assis)
Ah, as heroínas machadianas, seus melindres e caprichos que atormentam aqueles homens que lhes são devotos, e que ao mesmo tempo as odeiam. Capitu e seus “olhos de ressaca, de cigana oblíqua e dissimulada”, a eterna dúvida e distância, criatura mui particular, mais mulher do que Bentinho era homem.
Na juventude, suas mãos “a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor; não cheirava a sabões finos nem águas de toucador, mas com água do poço e sabão comum trazia-as sem mácula”, Qual o perfume de Capitu? A Natura fez uma apimentada homenagem, chamada “Encantos de Capitu”, mas achei adocicada demais, não combinando com seu espírito ousado.
Capitu, representada por uma impecável Maria Fernanda Cândido (Imagem: globo.com)
O Perfume: Água de Neroli, da Phebo
Por qual razão? Porque a saída cítrica me remete ao quintal verdíssimo dos encontros juvenis de Capitu e Bentinho, que, aos poucos e para quem chega perto, vai se tornando assabonetada, como o sabão que lavava suas mãos. É acessível, porque as origens de Capitu não a permitiriam comprar finos artigos de toucador... E é um sucesso originalmente brasileiro, como Dom Casmurro.
Imagem: www.phebo.com.br
A Personagem: Doutor Jivago (Doutor Jivago – Boris Pasternak)
Não, não vou falar de Lara... Vou falar do próprio médico idealista, que ao final percebe que a sociedade tem tantas mazelas que não vale a pena o convívio, preferindo o exílio. Eternizado no cinema por Omar Sharif, Jivago exercia seu ofício com dedicação, atendendo até os mais pobres, ainda que em noites congelantes. Com um aspecto psicológico interessantíssimo, a abnegação de Yuri Jivago à Tonya, e ao mesmo tempo sua paixão e devoção à Lara, rendem trechos intensos como: tenho ciúmes dos objectos da tua toilette, das gotas de suor na tua pele.
Omar Sharif, e seu Doutor Jivago (Imagem: theredlist.com)
O Perfume: Dior Homme Parfum
Nada aparecido, mas de alta classe como o doutor. A nota de couro representa sua maleta de profissão, a íris sua origem nobre. É requintado e constante, como o dedicado médico Jivago.
Imagem: www.dior.com/beauty